domingo, 31 de janeiro de 2010

100 anos de República...


Nós não podemos comemorar outra coisa que não seja o nosso trigésimo aniversário, um determinado concerto, ou os aniversários de cada um ou de alguns amigos mais chegados, sob pena de cairmos no mesmo abismo de hipocrisia. A Implantação da República, ao contrário da queda do Estado Novo em 25 de Abril de 1974, foi violenta, sanguinária e persecutória. República não significa forçosamente democracia (a esta até lhe pesa um "duplo regicídio"). A comprová-lo os mais de 40 anos de ditadura estúpida em que os portugueses chafurdaram condescendentemente. E o conceito de democracia também se afasta a passos agigantados da raiz grega que lhe outorga o significado. Ou melhor, se já não carece dele, talvez sejam os contornos definitivos dos que exercem o poder e de quem os escolhe, que se esbatem ou, mais grave todavia, as águas turvas dos processos e do marketing eleitoralistas que se tingem de cores garridas para gáudio dos telespectadores. Vivemos numa espécie de telecracia suportada e à vez suporte de uma claptocracia instituída, prevista na lei (pelo menos nas entrelinhas que só os advogados habilmente conseguem enxergar) e aceitada como “de facto” pela imensa maioria dos cidadãos.

A República é um dado adquirido e, embora muitos seguramente não partilham dos seus prazeres, a imensa maioria está-se positivamente nas tintas, desenterrando o patriotismo e a bandeira apenas quando a selecção nacional de futebol participa em alguma competição internacional. E por isso, e a meu ver, este tipo de festejos tem sabor a cortejo de Unionistas pelos bairros de Belfast ou, para que se entenda mais facilmente, assemelha-se a comemorar uma vitória do Benfica às portas do Dragão e vice-versa. Ou por outras palavras: sobra. A república não se comemora, vive-se nela e com ela, sofre-se e... há muito mais em que pensar.

Inclusivamente a eleição do ou da Presidente, deveria obedecer a um "processo inteligente" semelhante ao da eleição das Misses, passando por sucessivas eliminatórias em que os concorrentes vão exibindo as suas potencialidades e habilidades. Obviamente sujeita a votação popular, mas sem partidos para manipular a vontade do povo e os resultados. O representante dum povo e dum estado devia ser alguém realmente bonito, bem conversado, com "charme". Um tipo como o Rui Reininho, por exemplo, teria todo o nosso apoio. Além do mais recuperava-se todo o esplendor dos bailes de salão de outros tempos.

Comecei a ler o "Livro do Desassossego" de Bernardo Soares (un alter-ego de Pessoa, mais que um heterónimo) e realmente não o aconselho a pessoas sensíveis, com crises depressivas ou preocupadas com a “crise” omnipresente que nos amarga a existência, nos faz temer pelo nosso futuro e o dos que hão de cá ficar e nos esmaga sob o peso da incerteza. Não é uma leitura que me fizesse falta, quando a cada dia sou confrontado com a miséria que nos rodeia e na que, em qualquer momento, nos podemos imergir, pois calamidades como o Katerina na Louisiana, as chuvas torrenciais na China ou o recente terramoto do Haiti, podem ocorrer a qualquer momento e em qualquer parte do globo, mas devo reconhecer que a escrita de Pessoa, em qualquer das suas inúmeras variantes é invariavelmente tão brilhante como perturbadora. Chega a ser irritante. E, a propósito da República, aqui está um bom exemplo:

(…) E o regimen (a república) está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados mentais, nos serve de bandeira nacional - trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português - o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito natural, devem alimentar-se. (…) Da República de Fernando Pessoa Editora Ática, Lisboa, 1978

Que tenhais uma boas comemorações.

Daqui do Reino das Hispanias, com afecto

Sergio Castro


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