quarta-feira, 5 de maio de 2010

O ministro e a polémica


Ministro da ciência, Mariano Gago, diz: "pirataria é fonte de progresso"
Miguel Guedes, líder dos Blind Zero e Director da Cooperativa de Gestores dos Direitos dos Artistas, já apelidou as declarações do ministro de "gravíssimas".
Mariano Gago, actual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, disse numa conferência em Madrid que a pirataria não deve ser vista como "inimigo" pela indústria cultural porque "foi uma fonte de progresso e globalização", avançou a agência Europa Press.

O ministro português acrescentou ainda que o valor de um produto cultural, de uma banda ou artista pop por exemplo, "aumenta" com uma difusão mais alargada que é proporcionada pela partilha de ficheiros na internet: "Hoje em dia um grupo pode adquirir uma notoriedade impensável graças à rede, que pode ser rentabilizada em concertos e, por que não, no aumento de vendas de discos graças à sua popularidade".

Quanto ao que o governo português está a fazer relativamente à pirataria, Gago explicou que está a ser estudada uma forma de regular os downloads ilegais, "procurando ser sensível". O ministro remata: "A Internet é uma quesão de alargar liberdades, não de as restringir".

As reacções não se fizeram esperar e Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero e Director da Cooperativa de Gestores dos Direitos dos Artistas, disse à Antena 1 que as declarações de Mariano Gago são de "absoluta irresponsabilidade, gravíssimas e mostram que o professor Mariano Gago percebe muito pouco disto", acrescentando também que o ministro mostra "um enorme desrespeito pela actividade de quem trabalha".

Foto de: Ana Baião/Expresso


A minha opinião
Não nutro a mais pequena simpatia pelo governo de Sócrates, nem por ele nem por nenhum dos seus ministros. Não é nada de pessoal, mas a arrogância a que invariavelmente deitam mão, nas suas declarações públicas, deixa-me no mínimo perplexo e a pensar, se algum dia não voará um sapato na direcção de algum deles, tal como lhe ocorreu a Bush. E até talvez com mais esmerada pontaria. Digo isto para evitar más interpretações, já que, no caso presente, tenho que reconhecer que o ministro Gago, não teve papas na língua e, abertamente, não só declarou o que lhe ia na alma (até os ministros a têm) como demonstrou um conhecimento bem mais profundo, do que pode parecer à primeira vista, sobre a realidade que nos cerca.
Meus senhores, a Internet está aí com os seus pontos positivos e negativos, mas nunca a informação esteve tão à mão de semear. “E a desinformação também” dirão alguns. Sim, só que antes, combater e desmentir a desinformação, era tarefa pouco menos que impossível, arriscada quase sempre, letal não poucas vezes.
É indesmentível que a Rede é um veículo promocional incomparável e incontornável, já seja na sua versão Myspace, Facebook, Hi5 ou Twitter, para mencionar os mais popularmente divulgados, ou simplesmente na forma dos milhões de blogs e páginas web circulando global e livremente. É inegável que qualquer forma de arte que utilize o audio ou a imagem estática ou em movimento como expressão, pode ser divulgada com uma rapidez e amplitude, impensáveis há 20 anos atrás. Por estas mesmas razões não é difícil entender a preocupação de todos os intermediários responsáveis pela difusão e “protecção” de obras de criadores nas varias áreas da cultura e do entretenimento, quando vêm que o negócio se lhes escapa.
Como alguns escreveram em comentários e com acerto, que percentagem, do custo de um CD, por exemplo, reverte realmente para o criador/executante da obra em questão? A que se deve o preço exorbitante de um CD, no mercado, quando nos dias que correm (e já há vários anos) as editoras deixaram em mãos dos artistas a produção com os respectivos custos, de todo o processo de gravação? E quando começaram, a pirataria aferia-se ainda por cifras anedóticas.
Além disso, e para quem não sabe, a fabricação de 1000 Cds, com direitos de autor e capa simples incluídos custa ao produtor pouco mais de 600€, o que significa um custo de 60 cêntimos por unidade. E esta quantia diminui conforme vai aumentando a quantidade de Cds fabricados para um mesmo título.
Digo-o com toda a tranquilidade, pois sou músico e criador de mais de 100 temas registados na SPA, e cobro direitos dos quais não abdico sempre que se vendem discos meus ou quando alguma entidade quer utilizar as minhas criações para fins comerciais. Não apoio a pirataría nem nenhuma actividade delitiva, mas encontro mais depressa atenuantes para um sem abrigo que rouba uma maçã para matar a fome, que para um gestor da banca que vendeu productos financeiros tóxicos. E com isto espero deixar clara a minha linha de pensamento.
Como muitos outros músicos, eu e os restantes Trabalhadores levamos anos (desde 2006) disponibilizando gratuitamente na Rede a nossa música, ao mesmo tempo que tentamos entregar outras mais valias às obras que produzimos para venda, já seja pela apresentação gráfica do CD ou fazendo-o acompanhar de um outro CD que se inclui no preço habitual, tudo isto para que valha a pena o investimento a quem compra, caso queira genuinamente possuir uma obra nossa. Lutar contra a Rede e a distribuição não autorizada é gastar tempo e energia. O “Monstro” foi criado e nós fomo-lo alimentando como mais nos conveio.
Por outro lado, pôr "grades" na Rede, como tenta fazer o governo Chinês e já se sente no hálito de alguns dirigentes europeus é “perder tempo e feitio” e, desde logo, renegar dos princípios mais básicos do seu criador. E o ministro sabe que é assim e por isso o disse, talvez sem pensar. Depois pensou e desmentiu e aí “cagou o postal” e voltou a ser o que se espera dele: bem mandado, politicamente correcto, para agradar aos lobbies e à cúpula de crápulas que vive à nossa custa (esses sim os verdadeiros piratas) desde o poleiro de Bruxelas. A mim, um tipo que descarrega O Voto Útil da net e depois nos vai ver no Porto Sounds, para ver se é verdade que somos assim, não nos rouba, dá-nos apoio e faz-nos seguir em frente. Quem me rouba é a multinacional que utiliza e deturpa uma obra minha e a inclui sem autorização num Cd de Karaoke, de gosto duvidoso, com o computador que “deu a volta ao mundo” - e isto não é ficção. E é aqui quando conto com a protecção da SPA da qual me gratifico por ser sócio e cooperador. Quem me rouba(ría) é a editorial, que nunca aceitei ter, ou a discográfica que além de me discutir um miserável adiantamento de royalties, com um álbum pronto na mesa (capas, estúdio, masterização etc) ainda se atreve a exigir-me a comissão dos espectáculos efectuados durante a vigência do contrato. Valha-nos a Rede. Antes ser roubado pelo povo que não pode pagar nem as batatas – quanto mais o CD – do que pelos que só aspiram a aumentar os benefícios de accionistas que provavelmente nem ouvem música, e a manter os seus postos de gestores, pagos por cifras difíceis de alcançar para a imensa maioria dos músicos portugueses. Alguns haverá que discordem, até porque lhes toca e lhes vai ao bolso. Pois aproveitem que não dura sempre.

Sérgio Castro

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